Acta[1]
Aos 17 dias de Outubro de 2001, achando-se
presentes o Exmo. Conselheiro Presidente José Manuel Moreira Cardoso da Costa e
os Exmo.s Conselheiros Tavares da Costa, Bravo Serra, Luís Nunes de Almeida, Artur
Maurício, Paulo Mota Pinto, José de Sousa e Brito, Guilherme da Fonseca, Maria
Fernanda Palma, Maria Helena de Brito e Maria dos Prazeres Beleza, foram
trazidos à conferência os presentes autos de apresentação de contas dos
partidos políticos, relativas ao ano de 1998, para neles ser apreciado o que o
Ministério Público nos mesmos promove, em matéria contra-ordenacional.
Após debate e votação, foi ditado pelo Exmo. Presidente o seguinte:
Acórdão n.º 444/2001
I – Relatório
1 - Findo o prazo para entrega das contas
dos diversos partidos políticos relativas ao ano de 1998, verificou este
Tribunal, pelo seu Acórdão n.º 536/99 (inédito), que alguns dos partidos
inscritos no competente registo não haviam apresentado aquelas contas. Em
relação a esses, e nos termos do disposto no artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC,
ordenou esse acórdão que se desse vista ao Ministério Público para promover o
que entendesse relativamente a tal omissão.
Na sequência dessa notificação e
subsequente vista, o Ministério Público veio promover, em 25 de Outubro de
1999, que, verificada a omissão ilícita e culposa do cumprimento do dever
cominado no n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro, fosse
aplicada a correspondente coima, a graduar dentro dos limites abstractos estabelecidos
no n.º 1 do artigo 14.º da mesma lei, em conformidade com os critérios
estabelecidos no artigo 18.º de Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, e a
apurar, designadamente, em função também das respostas que viessem a ser
apresentadas, aos seguintes partidos políticos: Partido da Democracia Cristã
(PDC), Frente Socialista Popular (FSP), Partido Renovador Democrático (PRD) e
Movimento o Partido da Terra (MPT).
2 - Entretanto, realizada a auditoria
ordenada por este Tribunal às contas dos restantes partidos políticos, foram
detectadas diversas possíveis irregularidades pelo Acórdão n.º 262/2000
(inédito), que ordenou a notificação aos partidos em causa, para prestarem os
esclarecimentos que entendessem, tendo-o feito o Partido Socialista (PS), o
Partido Social-Democrata (PSD), o Partido Popular (CDS-PP), o Partido Comunista
Português (PCP), o Partido de Solidariedade Nacional (PSN), o Partido Comunista
dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP), a Frente de Esquerda Revolucionária
(FER), o Partido Política XXI (PXXI), o Partido Ecologista Os Verdes (PEV) e o
Partido Democrático do Atlântico (PDA).
Este último terminou a sua resposta
solicitando um prazo suplementar de 30 dias para prestar esclarecimentos
relativos à organização da sua contabilidade, tendo, por despacho de 12 de
Julho de 2000, sido deferido um prazo de 15 dias para o efeito, atento o
período de tempo entretanto também já decorrido.
Posteriormente, pelo acórdão n.º 578/2000
(Diário da República, 1.ª série-A, de 12 de Março de 2001), o Tribunal apreciou
e julgou as contas apresentadas, tendo julgado não prestadas as contas do PDA,
dada a natureza das irregularidades de que padeciam, e tendo julgado prestadas
as contas dos restantes partidos, embora, quanto a quase todos eles (foram excepção
o PEV e o POUS) com irregularidades. Tendo em conta que nesse acórdão
reconhecia a existência de irregularidades nas contas em causa, ordenou o
Tribunal a notificação do Ministério Público, nos termos do disposto no artigo
103.º-A da LTC, para os efeitos aí previstos.
Entretanto, veio o PDA reclamar desse
acórdão, por entender que se verificava uma "contradição" nos termos
do aresto, "porquanto ele próprio admite que parte dessas contas estão
correctamente elaboradas embora com [...] deficiências", o que é diverso
de "contas inexistentes".
Este Partido sustentou na sua reclamação
que, e face às anteriores recomendações do Tribunal Constitucional, "toda
a escrita passou a ser entregue a uma equipa de profissionais, legalmente
habilitados [...], tendo as respectivas contas sido enviadas a este areópago,
como prova, aliás em parte reconhecida por este douto acórdão reclamado",
e que, no tocante aos procedimentos internos de controlo, "estes existem
desde sempre, visto que os orçamentos são aprovados anualmente pela Comissão
Política, bem como as respectivas contas precedidas de visto favorável do
conselho fiscal"; por fim, afirmou ainda que "outros mecanismos de
controlo se não antevêem para fiscalizar os pagamentos de electricidade e
telefone, duas ou três viagens entre ilhas antes ou durante eleições, e
respectivos alojamentos e alimentação", tudo controlado de perto num
partido pequeno e de poucos recursos, encontrando-se todos os registos
contabilísticos devidamente arquivados e prontos a serem inspeccionados. E
juntou ainda cópias de duas actas, relativas à aprovação das contas dos anos de
1998 e 1999.
O Tribunal Constitucional desatendeu esta
reclamação pelo seu Acórdão n.º 51/2001, no qual se entendeu o seguinte:
"Com efeito, e no que toca à alegação,
pelo reclamante, de factos e circunstâncias com os quais se pretende
contraditar a factualidade que o Tribunal deu por assente, é óbvio que uma
reclamação ou pedido de reforma da decisão não é meio adequado para tal. A
oportunidade processual para tanto ocorreu quando o partido reclamante foi
notificado para se pronunciar sobre os resultados da auditoria (que o Tribunal
teve por relevantes, no seu Acórdão n.º 262/2000, de 2 de Maio) - oportunidade
que efectivamente utilizou, havendo disposto para o efeito, de resto, de prazo
que, a sua solicitação, foi inclusivamente prorrogado. Em qualquer caso, e não
obstante o que fica dito, sempre se acrescentará que nada do que vem agora
alegado põe em causa as conclusões e o juízo a que o Tribunal chegou.
Por outro lado, e quanto à pretensa
'contradição' do acórdão reclamado, é bom de ver que ele não ocorre: é que o
Tribunal não disse, em lugar algum desse aresto, que as contas do partido
reclamante, 'em parte', estavam 'correctamente elaboradas', embora com deficiências;
o que disse, sim, foi que essas contas, ou o respectivo suporte documental e de
controlo, apresentavam deficiências tais, que as mesmas não podiam julgar-se
prestadas."
Por sua vez, veio o PCP, "tendo
tomado conhecimento da interpretação dada pelo Tribunal Constitucional quanto à
adequação das listas do património imobiliário ao disposto no n.º 5 do artigo
10.º da Lei n.º 72/93", apresentar requerimento no sentido de "suprir
a deficiência/insuficiência considerada por esse Tribunal, apresentando nova
lista de património imobiliário, relativa às contas de 1998".
Por despacho de 8 de Fevereiro de 2001, o
Presidente do Tribunal Constitucional, embora ordenando a junção da lista em
causa aos autos, "para outros eventuais efeitos", considerou que a
mesma "já não pode ser considerada na apreciação das contas relativas a
1998 - além do mais porque o correspondente acórdão já transitou relativamente
ao partido requerente".
3 - Na sequência da notificação constante
do Acórdão n.º 578/2000, veio o Ministério Público, por promoção de 2 de Março
de 2001, requerer:
a) Numa primeira parte, por incumprimento
da obrigação estabelecida no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 72/93 (ausência de
contabilidade organizada), a qual constitui facto ilícito e censurável, a título
de dolo, que fosse aplicada a coima sancionatória, prevista no artigo 14.º da
mesma lei, a graduar dentro dos limites legais, em conformidade com o disposto
no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 433/82, ao Partido Democrático do Atlântico
(PDA);
b) Numa segunda parte, em relação ao
Partido Socialista (PS), ao Partido Social-Democrata (PSD), ao Partido Popular
(CDS-PP), ao Partido Comunista Português (PCP), ao Partido de Solidariedade
Nacional (PSN), à União Democrática Popular (UDP), ao Partido Socialista
Revolucionário (PSR), ao Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses
(PCTP/MRPP), ao Partido Popular Monárquico (PPM), à Frente de Esquerda
Revolucionária (FER) e ao Partido Política XXI (PXXI) que fossem aplicadas as
coimas correspondentes às irregularidades ou ilegalidades detectadas quanto a
cada um deles, "já que, relativamente ao exercício de 1998 - conhecendo e
representando as exigências legais quanto à elaboração das contas - face,
nomeadamente, ao texto da Lei n.º 72/93, às auditorias já realizadas e ao
precedentemente decidido pelo Tribunal Constitucional se abstiveram de as
organizar, de forma adequada e em plena conformidade com tais exigências, bem
sabendo que tal traduzia e implicava inelutavelmente a prática das [...]
ilegalidades, previstas e sancionadas nos artigos 4.º, n.os 2 e 3, 10.º, n.os
1, 2, 3 e 5, alínea b), e 14.º da Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro",
coimas essas a graduar de acordo com o número de infracções verificadas
relativamente a cada um dos partidos indicados, e de acordo com os critérios
gerais decorrentes do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 433/82.
Relativamente à primeira promoção do Ministério Público, de 25 de Outubro de
1999, apenas se pronunciaram o Partido da Democracia Cristã (PDC) e o Partido
Renovador Democrático (PRD), não tendo havido resposta da Frente Socialista
Popular (FSP) e do Movimento o Partido da Terra (MPT).
Já quanto à segunda promoção, de 2 de
Março de 2001, veio o Partido Democrático do Atlântico (PDA) responder
relativamente à primeira parte dessa promoção, e se pronunciaram na parte
restante o Partido Política XXI (PXXI), o Partido Socialista (PS), o Partido
Social-Democrata (PSD), o Partido Popular (CDS-PP), o Partido Comunista
Português (PCP), a União Democrática Popular (UDP) e o Partido Comunista dos
Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP). A Frente da Esquerda Revolucionária
(FER) pretendeu responder fora do prazo legal para o efeito; por seu turno, o
Partido de Solidariedade Nacional (PSN), o Partido Popular Monárquico (PPM) e o
Partido Socialista Revolucionário (PSR) não apresentaram qualquer resposta.
4 - Entretanto, o Partido Renovador
Democrático (PRD) alterou a sua denominação para Partido Nacional Renovador
(PNR), conforme anotação constante do Acórdão n.º 250/2000 (Diário da
República, 2.ª série, de 4 de Maio de 2000), passando a ser identificado por
esta nova denominação.
Por outro lado, a Lei n.º 72/93 viria a
ser revogada e substituída pela Lei n.º 56/98, de 18 de Agosto (hoje, já também
alterada pela Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto), cujo artigo 30.º dispôs,
porém, que às contas do exercício de 1998 se aplicavam as regras da anterior
Lei n.º 72/93 (n.º 2), salvo quanto aos prazos para apresentação e apreciação
das mesmas contas, a que se deveria aplicar imediatamente o preceituado na lei
nova (n.º 1).
Cumpre, agora, a este Tribunal decidir da
punição ou não dos partidos políticos identificados.
II - Fundamentos
A) A infracção da falta de apresentação de
contas. - 5 - Na sua primeira promoção, de 25 de Outubro de 1999, verificando que
os partidos aí indicados "não cumpriram, relativamente ao exercício de
1998, a obrigação emergente do preceituado no n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º
72/93", de enviar, no prazo legal, as respectivas contas, para apreciação,
ao Tribunal Constitucional - considera o Ministério Público que "o
precedente jurisprudencial resultante do decidido em anos anteriores"
indicia seguramente e permite supor que os respectivos representantes legais
bem sabiam que estavam obrigados ao cumprimento daquele dever, não podendo
deixar de ter presente a ilicitude da omissão, traduzida na não apresentação
atempada das contas. É com tal fundamento que o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto,
em representação do Ministério Público, promove que aos partidos políticos
incursos na omissão em epígrafe seja aplicada a correspondente coima.
Liminarmente, há-de dizer-se que tal razão
é, ao menos na sua linha fundamental, por inteiro procedente - e de tal modo
que o Tribunal pode mesmo dispensar-se de acrescentar o que quer que seja,
tendo presente o decidido nos anos anteriores.
Posto isto, o que importa verificar é se, quanto aos diferentes partidos
políticos no momento em causa, ocorre algum facto ou alguma circunstância de
direito, mormente invocada nas suas respostas, que seja susceptível de obstar à
concludência da promoção do Ministério Público, no sentido da sua punição, ou,
de todo o modo, a esta última.
6 - Como já houve ocasião de referir, apenas o Partido da Democracia Cristã e o
Partido Nacional Renovador responderam àquela promoção do Ministério Público,
nela contrapondo as suas razões. Só quanto a estes partidos haverá, pois, que
analisar mais detidamente a questão.
Quanto aos demais - ou seja, os restantes partidos
políticos abrangidos pela promoção do Ministério Público de 25 de Outubro de
1999, por não haverem apresentado contas do ano de 1998 - a saber: a Frente
Socialista Popular (FSP) e o Movimento o Partido da Terra (MPT) - uma vez que
nada vieram contrapor a tal promoção, também nada mais resta, em vista do que
antes se disse, senão concluir, como vem promovido, que omitiram ilícita e
culposamente o cumprimento do dever estabelecido no artigo 13.º, n.º 1, da Lei
n.º 72/93, relativamente ao ano de 1998.
7 - Mas também quanto aos partidos
políticos que tomaram posição no processo quanto à questão em apreço, não se vê
que apresentem razões susceptíveis de fazerem precludir a relevância
contra-ordenacional da omissão em que ocorreram.
Com efeito, e começando pela resposta do
Partido Nacional Renovador, veio este alegar que supõe "que a falta de
actividade política do PRD desde há anos, com reflexo na falta de receitas e
despesas e consequente ausência de estrutura administrativa e contabilística,
teria tornado impossível a apresentação de contas de 1998, como aliás nos anos
anteriores", concluindo assim que "não pode a actual comissão
directiva outra coisa, na situação herdada, senão pagar, com a graduação
permitida pelo Tribunal Constitucional, as coimas que ao PRD foram ou sejam
aplicadas relativamente à não apresentação das contas de 1994, 1995, 1996 e
1997"; salientou ainda o "processo de saneamento da situação do
Partido" iniciado pela actual comissão directiva, e o esforço prosseguido no
pagamento das prestações relativas às coimas, tal como graduadas por este
Tribunal, para requerer, por fim, "que à coima devida pela sua não
apresentação atempada [das contas de 1998], seja aplicada pelo Tribunal
Constitucional o mesmo regime de graduação das coimas aplicadas ao PRD pela não
apresentação, em tempo legal, das contas [...] relativas a 1994 e 1995, o que
evitou a consequência pior, ou seja, a dissolução do Partido".
Pois bem, estas alegações não são por
molde a afastarem ou minorarem a relevância contra-ordenacional em causa, antes
reconhecendo o próprio Partido Nacional Renovador a sua falta, embora
procurando justificá-la com uma "carência de meios, em geral, e de
organização administrativa, em particular, e nunca culpa ou dolo dos anteriores
ou actuais dirigentes".
Por outro lado - e agora quanto ao Partido
da Democracia Cristã -, as razões que este Partido alega, em resposta à
promoção do Ministério Público, reportam-se ao facto de "não ter
desenvolvido actividade partidária no período em causa", não tendo obtido
qualquer receita nem realizado qualquer despesa nesse ano.
Na verdade - e como este Tribunal disse, relativamente a outros partidos
políticos, no Acórdão n.º 36/2000 (Diário da República, 1.ª série, de 29 de
Fevereiro de 2000) e no Acórdão n.º 551/2000 (Diário da República, 1.ª série,
de 24 de Janeiro de 2001), no que se reporta à não apresentação de contas nos
anos de 1996 e de 1997, e remetendo para o que se afirmara no Acórdão n.º
522/98 (Diário da República, 2.ª série, de 10 de Outubro de 1998), com
referência a idêntica explicação fornecida por outro partido político para a
não apresentação de contas do ano de 1995 - a mera circunstância do não
exercício de actividade política "de âmbito institucional" ao longo
de um determinado ano não pode eximir o correspondente partido dos deveres
consignados na Lei n.º 72/93 nem constituir causa justificativa do seu
incumprimento: bastará salientar que tal circunstância não é impeditiva (ao
menos teoricamente) do recebimento de donativos ou do contraimento de encargos
e da realização de despesas, para concluir que ela não tem forçosamente de
tornar inútil e supérflua a detenção de contabilidade e a apresentação de uma
conta, com referência ao ano em causa - ou seja, como este Tribunal vem
afirmando uniformemente e sem discrepâncias - e aqui se reitera -, no tocante à
obrigação de elaboração e apresentação de contas, não há que fazer nenhuma
distinção entre partidos "grandes" ou "pequenos", com ou
sem representação parlamentar, com intensa e permanente ou reduzida e
esporádica (ou mesmo alegadamente nula) actividade: desde que se encontrem
inscritos como tal no registo próprio de partidos políticos existente neste
Tribunal, ficam adstritos àquela obrigação legal.
Assim sendo, o tipo de razões alegadas
pelos partidos em causa não é susceptível de evitar as consequências
contra-ordenacionais da omissão em que incorreram.
8 - Posto isto, quanto ao Partido da Democracia Cristã (PDC), importa ainda, no
entanto, verificar se a sua responsabilidade contra-ordenacional, decorrente da
omissão do dever de apresentação de contas, não deverá ter-se por precludida
por uma diversa razão. Reside ela no facto de, na resposta à promoção do
Ministério Público em que se evidenciou tal omissão, o mesmo Partido alegar
que, "quanto ao ano em causa" (1998), "não obteve qualquer
receita e não realizou qualquer despesa, nomeadamente, pelo facto de não ter
encargos fixos, e correspondentes despesas, e não ter desenvolvido actividade
partidária no período em causa".
Afigura-se que, com tal declaração, o PDC
pretende afinal, ainda que tardiamente, "apresentar", de algum modo,
e decerto por forma "atípica", as suas "contas" relativas a
1998, tal como, de resto, já o fizera relativamente aos anos de 1997 e 1996.
Ora, independentemente da questão de saber se, em momento adequado, se poderiam
aceitar tais "contas" como efectivação da obrigação legal, a verdade
é que quanto a outra questão - ou seja, a de saber se uma tal apresentação de
contas por um partido político já fora do prazo legal, ainda poderá relevar
para o efeito de ter-se como cumprida a correspondente obrigação, e afastada a
responsabilidade contra-ordenacional que decorreria do puro e simples
incumprimento da mesma, e ainda que tal apresentação ocorra já depois de
notificado o Partido em causa, no processo tendente ao apuramento daquela
responsabilidade, da correspondente promoção do Ministério Público - o Tribunal
Constitucional já apreciou e tomou posição sobre tal questão - a propósito,
justamente, de situação similar verificada quanto, entre outros, ao Partido ora
em causa relativamente aos anos de 1994, 1995, 1996 e 1997 - nos seus já
referidos Acórdãos n.os 537/97, 522/98, 36/2000 e 551/2000 (publicado em Diário
da República, 1.ª série, de 24 de Janeiro de 2001), e a ela tendo dado aí
resposta negativa.
É esta mesma resposta que agora,
naturalmente, se reitera, repetindo o que então se disse, a saber: é que, mesmo
que se considere que o prazo estabelecido na disposição legal citada não é de
tal modo peremptório que exclua a relevância de toda e qualquer apresentação de
contas ocorrida depois dele esgotado (independentemente de tal apresentação
sempre importar um incumprimento desse prazo e das consequências que a tal
incumprimento devam ligar-se), mesmo que seja assim, de todo o modo, face, por
sua vez, ao prazo concedido ao Tribunal para a apreciação das contas anuais dos
partidos políticos e ao conjunto de diligências e procedimentos que essa
apreciação implica, não é possível deixar indefinidamente em aberto a possibilidade,
e até a obrigação, de o Tribunal Constitucional apreciar contas de partidos
políticos que não lhe foram atempadamente apresentadas. Há-de haver aí um
limite - e é razoável considerar que esse limite, em qualquer caso, não pode
estar para além do momento em que os partidos políticos são notificados da
omissão, violadora da lei, em que incorreram.
Consequentemente - e voltando à situação concreta sub judicio - tão-pouco a
circunstância ora considerada é de molde a afastar, quanto ao PDC, a ocorrência
da omissão do cumprimento do dever legal aqui em apreço e de precludir as
legais consequências de tal omissão.
9 - Face a quanto precede - recordando, em
especial, o dever de conhecimento, por banda dos partidos políticos, do novo
regime de financiamento dos partidos e da diligência que, face ao mesmo, lhes
era exigível, e considerando, por outro lado, a ausência, nuns casos, de
resposta à promoção do Ministério Público e, nos demais, a inconcludência das
"justificações" produzidas - há que concluir, pois, relativamente à
Frente Socialista Popular (FSP), ao Movimento o Partido da Terra (MPT), bem
como, ainda, relativamente ao Partido Nacional Renovador (PNR) e ao Partido da
Democracia Cristã (PDC), que os mesmos partidos incorreram na prática da
infracção prevista no artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 72/93, em razão do não
cumprimento do dever, consignado no n.º 1 do artigo 13.º da mesma Lei, de
apresentação da sua conta anual relativa a 1998. Nada mais resta, em
consequência, senão fixar a coima que, em concreto, lhes há-de ser aplicada.
Pois bem: nessa fixação, não pode o Tribunal deixar de ter em conta que a
infracção já não respeita ao primeiro ou mesmo ao segundo ano em que o
cumprimento de tal dever era exigível (como sucedia nas situações sobre que
versaram os Acórdãos n.os 537/97 e 522/98) De resto, trata-se de uma infracção
que nem se pode considerar ainda reportada ao período inicial de aplicação da
Lei n.º 72/93; na verdade, e em particular, não só respeita a um exercício que
já é posterior ao momento em que o Tribunal Constitucional veio explicitar e
clarificar o conteúdo e alcance prescritivo da Lei n.º 72/93 (também quanto ao
ponto ora em causa), o que veio a ocorrer com a prolação do Acórdão n.º 979/96,
como também a obrigação de apresentação das contas ocorreu mesmo depois de
prolatados já dois arestos atinentes ao sancionamento contra-ordenacional de
partidos políticos com fundamento em violação de deveres cominados na referida
lei (os já mencionados Acórdãos n.os 537/97 e 522/98).
Assim sendo, entende o Tribunal
Constitucional que a coima a aplicar a cada um dos partidos políticos ora em
causa - que, de resto, coincidem com os partidos políticos condenados pela
mesma infracção no Acórdão n.º 551/2000, respeitante ao exercício de 1997 - já
não deve fixar-se tão perto, como no ano anterior, do mínimo legal (de 10
salários mínimos nacionais, conforme o disposto no citado artigo 14.º, n.º 1,
da Lei n.º 72/93) Consequentemente, tendo embora em conta a sua pequena
dimensão, fixa-se o valor da coima em 30 salários mínimos nacionais
correspondentes ao ano de 1999 (já que a infracção se consumou neste ano),
valor esse que é de 1 839 000$, considerando o quantitativo fixado no
Decreto-Lei n.º 49/99, de 16 de Fevereiro.
B) A infracção da ausência de contabilidade
organizada
10 - Na sua promoção de 2 de Março de
2001, o Ministério Público, partindo do que foi verificado e decidido por este
Tribunal no seu Acórdão n.º 578/2000 (Diário da República, 1.ª série-A, de 12
de Março de 2001) em que se considerou que, não obstante a documentação
apresentada pelo Partido Democrático do Atlântico (PDA) não podiam
considerar-se prestadas as contas relativas ao exercício de 1998, "já que
lhes não subjaz um suporte documental e contabilístico minimamente organizado,
que permita aferir da sua fiabilidade" -, reputa que "tal conduta
deste partido político, traduzida na ausência de contabilidade organizada,
relativamente ao ano de 1998, constitui facto ilícito e censurável, a título de
dolo".
Está-se agora, pois, em face do ilícito que resulta do não cumprimento, no dito
ano, do dever consignado no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 72/93, segundo o
qual "os partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de
modo que seja possível conhecer a sua situação financeira e verificar o
cumprimento das obrigações previstas na lei"; e é para sancionar o
incumprimento deste dever que o Ministério Público promove a aplicação da
correspondente coima, a graduar em conformidade com os critérios gerais do
Regime Geral das Contra-Ordenações.
11 - Ao assim promovido pelo Ministério
Público, veio responder o Partido Democrático do Atlântico (PDA), reconhecendo,
antes de mais, que os documentos enviados ao Tribunal, "como contas
relativas ao exercício de 1998, não foram acompanhados do seu suporte
documental", atribuindo esse facto a "lapso" da empresa de
contabilidade encarregada de efectuar tal operação, "pois pensou-se que os
suportes documentais não teriam de acompanhar as referidas contas", e
considerando ainda que tal "lapso" sempre estaria de "certa
forma justificado pela circunstância de a lei não referir expressamente essa
obrigação" e ainda por a auditoria em causa não ter recaído sobre os
documentos em arquivo.
Invoca ainda a "dispersão geográfica
e a pequena dimensão do Partido" como impedimentos a uma atempada
"coordenação documental entre as comissões dos territórios insulares"
e os auditores, estando todas as receitas e despesas documentadas e sendo todas
efectivadas através de entidade bancária. Finalmente, para além de assinalar
que as contas foram aprovadas pela comissão política e controladas pelo
conselho fiscal, alega não ter havido dolo no não envio dos suportes
documentais, "apenas deficiente interpretação legal", bem como
"falta de experiência", salientando o esforço despendido pelo Partido
na regularização de toda a situação relativa à apresentação das contas, e ainda
a boa-fé do mesmo, para concluir requerendo a não aplicação de qualquer sanção.
12 - Cumpre, antes de mais, deixar claro que não pode obviamente aceitar-se a
alegação do Partido Democrático do Atlântico, segundo a qual a assinalada falta
de suporte documental terá decorrido do facto de este Tribunal entender que os
suportes documentais teriam de acompanhar as contas.
Com efeito, a conclusão que o Tribunal firmou,
acolhendo os resultados da auditoria, no seu já referido Acórdão n.º 578/2000 -
consoante se começou por recordar há pouco (supra, n.º 10) -, foi a de que
inexistia um suporte documental e contabilístico minimamente organizado que
permitisse aferir da fiabilidade das contas - ou seja, a documentação e a
organização contabilísticas do PDA, no exercício de 1998, foram tidas como
insuficientes, não se tendo obviamente considerado que toda a documentação
contabilística devesse ser remetida com as contas apresentadas, pelo que falece
a argumentação tendente a demonstrar que, não tendo havido dolo na falta dessa
remessa, não houve dolo na prática da infracção imputada.
Posto isto, e quanto ao mais que vem invocado, deverá dizer-se que vale
inteiramente, contra o sentido geral dessa argumentação, o que, a propósito da
infracção da não apresentação de contas, atrás se disse (supra, n.º 7), e se
torna desnecessário, por conseguinte, repetir neste momento, sobre a
irrelevância, para os efeitos da Lei n.º 72/93, da "falta de experiência
da empresa encarregada da escrita" ou da "dispersão geográfica e a
pequena dimensão do Partido" circunstâncias que não podem ter tratamento
mais favorável que a que consistiria em o Partido em causa não ter desenvolvido
actividade partidária.
Por conseguinte, e tal como se considerou
quanto a essa outra omissão, há-de considerar-se que o circunstancialismo
invocado pelo Partido em causa não é de molde a constituir uma situação de
inexigibilidade, susceptível de afastar a respectiva responsabilidade
contra-ordenacional pelo incumprimento do dever, que também lhe era aplicável,
estabelecido no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 72/93, de possuir contabilidade
organizada, nos termos definidos nesse diploma.
13 - Do mesmo modo, portanto, também só na
fixação da medida concreta da coima a aplicar pode ser levado em conta esse
condicionalismo, desde logo por razões idênticas e similares às acima invocadas
(supra, n.º 9), as quais é igualmente desnecessário reproduzir aqui.
Assim, e atentas essas razões, entende o
Tribunal que a coima a aplicar ao Partido Democrático do Atlântico (PDA) pela
infracção ora em causa deve igualmente ser menos próxima do mínimo legal (de 10
salários mínimos nacionais, conforme o disposto no citado artigo 14.º, n.º 1,
da Lei n.º 72/93) da que, relativamente ao ano anterior, foi aplicada ao mesmo
Partido por idêntica infracção. Consequentemente, tendo embora em conta a sua
pequena dimensão, fixa-se o valor da coima em 25 salários mínimos nacionais
correspondentes ao ano de 1998 (já que a infracção se consumou no final deste
ano), valor esse que é de 1 472 500$,considerando o quantitativo fixado no
Decreto-Lei n.º 35/98, de 18 de Fevereiro.
C) Infracções verificadas na organização e apresentação das contas
14 - Resta tratar das infracções imputadas
pelo Ministério Público, ainda na sua promoção de 2 de Março de 2001, ao
Partido Socialista (PS), ao Partido Social-Democrata (PPD/PSD), ao Partido
Popular (CDS-PP), ao Partido Comunista Português (PCP), ao Partido de Solidariedade
Nacional (PSN), à União Democrática Popular (UDP), ao Partido Socialista
Revolucionário (PSR), ao Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses
(PCTP/MRPP), ao Partido Popular Monárquico (PPM), à Frente de Esquerda
Revolucionária (FER) e ao Partido Política XXI (PXXI) e relativas a diferentes
ilegalidades ou irregularidades por eles cometidas nas contas que apresentaram
- irregularidades e ilegalidades essas que se discriminam quanto a cada um
desses partidos, sancionadas no artigo 4.º, n.os 2 e 3, no artigo 10.º, n.os 1,
2, 3 e 5, alínea b), e no artigo 14.º da Lei n.º 72/93.
Tais ilegalidades ou irregularidades são
as seguintes:
a) A não apresentação de uma conta
abrangendo toda a actividade partidária, isto é, o universo de todas as
estruturas organizativas do Partido e as suas correspondentes actividades de
financiamento e funcionamento, mas tão-só da estrutura central da sede nacional
daquele e de algumas estruturas ou actividades descentralizadas: esta omissão -
que vem imputada ao PS, ao PPD/PSD, ao CDS-PP, ao PSN, à UDP, ao PCTP/MRPP, ao
PPM e ao PXXI - obsta (diz o Ministério Público) a que se possa operar o pleno
controlo da situação financeira do Partido, exigido pelo n.º 1 do artigo 10.º,
e a verificação do cumprimento das respectivas obrigações, nomeadamente das
impostas pelos artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 72/93;
b) A falta de organização e actualização
do inventário anual do património do Partido - imputada ao PS (salvo no que
toca ao afecto à sede nacional), ao PPD/PSD (salvo no que toca ao afecto à sede
nacional e ao património imobiliário), ao CDS-PP e à UDP - ou a sua inadequada
ou indevida reflexão nas contas apresentadas - o que vem imputado ao PSR, ao
PCTP/MRPP e ao PPM -, o que traduz incumprimento do preceituado na alínea a) do
n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 72/93;
c) A não elaboração, em termos suficientemente satisfatórios, da lista do
património imobiliário do Partido, na medida em que não inclui uma descrição
suficiente de cada imóvel, imputada ao PS e ao PCP, o que constitui violação do
disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º da Lei n.º 72/93 (na redacção
dada pela Lei n.º 27/95, de 18 de Agosto);
d) A não obtenção, no tocante aos
donativos concedidos por pessoas colectivas, de cópia da correspondente
deliberação dos órgãos sociais do doador - imputada ao PS (no caso do único
donativo registado, no quantitativo de 20 000$), ao PPD/PSD e ao CDS-PP -, o
que traduz infracção ao preceituado no n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 72/93;
e) A não adopção da prática do depósito
integral dos montantes recebidos nem da realização de todos os pagamentos
através de cheque - verificada quanto ao PS, ao CDS-PP, ao PCP, à UDP e à FER
-, prática essa (diz o Ministério Público) "que se configura como
indispensável e constitui exigência que decorre nomeadamente do preceituado no
n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 72/93, como forma de assegurar plenamente o
objectivo de controlo aí instituído, relativamente aos donativos concedidos por
pessoas singulares";
f) A falta de preparação regular de reconciliações bancárias formais, imputada
ao PSD e ao PCP (ambos, quanto a parte das respectivas estruturas): ora - diz o
Ministério Público - "a não observância desta prática inviabiliza o
controlo perfeito e rigoroso de contabilidade do Partido, exigida pelo n.º 1 do
artigo 10.º da Lei n.º 72/93, nomeadamente no que concerne à certificação da
natureza de todos os pagamentos e recebimentos processados, não permitindo
concluir com segurança se todas as operações desenvolvidas se reflectiram
integral e adequadamente nas demonstrações financeiras apresentadas";
g) A falta de suficiente ou adequado
suporte ou informação documental, justificativa de receitas, despesas e mapas
contabilísticos, falta essa que vem imputada de forma genérica à UDP, ao PSR, e
ao PCTP/MRPP, e, de forma mais específica:
Ao PSD [no tocante à documentação de
suporte das sub-rubricas "Quotas e outras contribuições de militantes -
Sede" e "Correcção relativa a exercícios anteriores", "no
montante de 39 638 contos, dos quais 35 000 correspondem a ganhos obtidos com a
renegociação de dívidas a fornecedores, as quais impedem que se possa concluir
com segurança sobre se as mesmas sub-rubricas incluem ou não donativos"];
Ao CDS-PP [este, pela falta de suporte
para quer os "donativos recebidos através de mailing aos militantes, quer
as inscrições dos militantes no Congresso" e ainda pelas faltas ou
deficiências de documentação de suporte das sub-rubricas "Inscrições"
e "Filiações"]; e
Ao PS [este, na medida em que não efectuou
a "sistemática emissão de recibos, suportando, nomeadamente, os donativos
recebidos e as assinaturas do jornal Acção Socialista, bem como o
"insuficiente suporte documental relativamente às rubricas de receita
"Angariação de fundos" (que ascendeu a um total de 60 907 contos),
"Contribuições de eleitos do Partido" (no montante de 56 638 contos)
e "Contribuições e quotas de filiados" (no montante de 36 085
contos), em relação às quais se verifica - como notou a auditoria - manifesta
exiguidade da informação que as suporta, bem como o facto de as contribuições
de filiados serem, na sua grande maioria, efectuadas em numerário, não
permitindo concluir em que medida integrarão eventuais verbas recebidas a
título de donativo; e ainda, quanto ao "Mapa de proveitos e custos",
porquanto "uma parte significativa de custos nele incluídos não se
encontra suportada por documentação apropriada, emitida pelos beneficiários dos
pagamentos em causa"], sendo certo que - salienta o Ministério Público,
quanto a este tipo de situações - "o suporte documental dos mapas
contabilísticos a que se refere o artigo 10.º, n.º 3, alínea b), da Lei n.º
72/93 constitui condição ou pressuposto essencial da regularidade das contas
apresentadas e do integral cumprimento do estipulado neste preceito legal",
e isso (diz noutro passo), "nos termos exigidos pelo n.º 1 do artigo 10.º
da mesma lei";
h) A não classificação contabilística como proveito do "montante de 100
000$, relativo ao perdão de alguns meses de renda da sua sede em Lisboa",
falta esta imputada apenas ao PSN, o que constitui "manifesta falta de
registo contabilístico, decorrente do preceituado no artigo 10.º, n.os 1 e 3,
da Lei n.º 72/93";
i) A não inclusão, na conta geral do
Partido, do "saldo da 'campanha eleitoral' para um dos referendos nacionais
realizados em 1998, sendo certo que - apesar da autonomia de tais contas o seu
saldo deve ser necessariamente reflectido na conta geral de
funcionamento", falta que foi imputada ao PCTP/MRPP.
15 - Pois bem: porventura com alguma
pequena variante, e com alguma diferença quanto aos partidos relativamente aos
quais ocorriam, pode dizer-se que todas as situações agora em causa já o
Tribunal as havia verificado e posto em destaque, na apreciação das contas
partidárias dos anos de 1994, 1995, 1996 e 1997 (v., respectivamente, Acórdãos
n.os 979/96 e 531/97, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 19 de
Setembro de 1997, Acórdão n.º 682/98, publicado no Diário da República, 1.ª
série-A, de 12 de Janeiro de 2000, e Acórdão n.º 453/99, publicado no Diário da
República, 1.ª série-A, de 18 de Setembro de 1999). O Ministério Público,
porém, quanto às contas daqueles dois primeiros anos, absteve-se de promover o
sancionamento dos partidos incursos nas correspondentes irregularidades ou
ilegalidades; e fê-lo por haver entendido que, não obstante haverem tais
ilegalidades ou irregularidades de ter-se por verificadas, de um ponto de vista
"objectivo", falecia o elemento "subjectivo" da
possibilidade da sua imputação, a título de dolo, aos respectivos autores. E isso,
com base em duas considerações fundamentais: o facto de poderem tais
ilegalidades ou irregularidades razoavelmente assentar nas naturais
dificuldades de adaptação da organização e suporte contabilísticos dos
partidos, no período inicial de aplicação das exigências da Lei n.º 72/93, e
nas dificuldades de interpretação e rigorosa aplicação de um regime legal de
cariz francamente inovatório, fundado muitas vezes em conceitos abertos e
cláusulas gerais; e o facto de se tratar de contas organizadas e apresentadas
antes de proferido o já mencionado Acórdão n.º 979/96, relativo às contas
partidárias de 1994, ou seja, antes de este Tribunal haver explicitado e
concretizado (o que fez nesse aresto, pela primeira vez) o conteúdo e alcance
de várias exigências da Lei n.º 72/93 (cf., a este respeito, e por último, o
Acórdão n.º 522/98, n.os 21 e 22).
No entanto, relativamente às contas de
1996, o Ministério Público entendera já que "o argumento decisivo",
que permitira excluir liminarmente o elemento subjectivo da infracção, na
modalidade de dolo, quanto à ocorrência de ilegalidades ou irregularidades
idênticas nas contas de 1994 e 1995 (e que fora precisamente o de se tratar aí
de contas respeitantes a períodos anteriores à prolação do dito acórdão),
deixara de ter o mesmo valor ou relevância relativamente a essas contas. Isso,
porque a circunstância mencionada já não permitia que se excluísse liminarmente
o dolo, quanto às irregularidades verificadas nas contas de 1996, na medida em
que os partidos políticos, no exercício a que tais contas respeitavam, já
conheciam "a exacta dimensão das exigências legais", para além de
terem já "beneficiado de um tempo de adaptação razoável"; entendeu,
assim, o Ministério Público impor-se que o sancionamento das irregularidades
cometidas, ainda que de ordem instrumental ou de natureza meramente
técnico-contabilística, fosse objecto de apreciação jurisdicional.
E o Tribunal Constitucional, no seu
Acórdão n.º 36/2000, salientou que a situação ali sub judicio era já diversa,
porque, designada e decisivamente, as irregularidades então em causa se
reportavam a contas encerradas e apresentadas já depois da emissão do dito
Acórdão n.º 979/96, pelo que procedeu aí ao sancionamento das infracções
detectadas.
Ora, relativamente ao exercício de 1997, já entendeu o Ministério Público que,
"por maioria de razão" se adoptasse em relação a essas contas o mesmo
entendimento que para aquelas de 1996.
E, na verdade, não pôde o Tribunal deixar
de levar em linha de conta que o exercício de 1997 se iniciara e decorrera já
depois de o Acórdão n.º 979/96 ter sido proferido, notificado e publicado no
jornal oficial, isto é, já depois de os partidos políticos terem integral
conhecimento do sentido e alcance que o Tribunal Constitucional atribuía às
disposições legais atinentes às suas obrigações relativamente à organização das
respectivas contas.
Relativamente às contas de 1998, o
Ministério Público renova a opinião de que, por maioria de razão, se deve
adoptar idêntico entendimento. E o Tribunal não pode deixar de continuar a
subscrever, agora reforçadamente, o que, a esse propósito, teve ocasião de
assinalar logo no Acórdão n.º 453/99 e salientou, aliás novamente, no Acórdão
n.º 551/2000:
"[...] as contas ora em apreciação,
não só foram organizadas e apresentadas a este Tribunal após a prolação do
Acórdão n.º 979/96 (e também do Acórdão n.º 531/97), como respeitam mesmo a um
período que decorreu integralmente já depois de proferido esse aresto. O
conteúdo de tal acórdão já era, assim, conhecido pelos partidos políticos que
dele foram notificados - ou estava acessível ao conhecimento dos demais - não
só quando apresentaram as suas contas relativas ao ano de 1997 mas logo no
início desse período de gerência. Por outro lado, aquando da elaboração das
mesmas contas, a contabilidade dos partidos políticos seus apresentantes - com
excepção do Partido Democrático do Atlântico, da Frente de Esquerda Socialista
e do Partido Política XXI - já havia sido objecto de, ao menos, uma auditoria
(e até de mais, quanto à maior parte deles), de modo que, com as excepções
referidas, já tais partidos se encontravam directamente advertidos das
insuficiências detectadas nas respectivas contabilidades por essa
auditoria."
16 - Como oportunamente se disse, todos os
partidos políticos aos quais são imputadas as infracções ora em apreço vieram
atempadamente responder à promoção do Ministério Público, com excepção do
Partido da Solidariedade Nacional (PSN), do Partido Socialista Revolucionário
(PSR), do Partido Popular Monárquico (PPM) e da Frente da Esquerda
Revolucionária (FER).
Apresentam essas respostas, naturalmente,
assinaláveis diferenças, seja na sua extensão e no seu desenvolvimento, seja no
seu conteúdo. Pode, porém, dizer-se que, no tocante a este último, e no que se
reporta a algumas questões de índole geral, elas se situam basicamente numa
mesma linha, já por eles desenvolvida nas respostas às promoções do Ministério
Público correspondentes às contas de 1996 e 1997, linha essa que vai no sentido
seguinte: por um lado - e sem pôr em geral em causa a verificação objectiva dos
factos (das irregularidades mencionadas) - procuram os partidos respondentes
justificar a sua ocorrência pelas dificuldades que os mesmos vêm sentindo na
implementação de uma organização financeiro-contabilística que perfeitamente
corresponda, a todos os níveis do universo partidário, às exigências da lei (e
isso, em consequência da natureza da sua actividade e do carácter largamente
não profissional da sua organização); por outro lado, assinalam e sublinham os
esforços que vêm fazendo, ano a ano, para superar tal situação e atingirem tal
desiderato, e os inquestionáveis progressos que nesse capítulo vêm alcançando
(como, de resto, as últimas auditorias às suas contas - e, no seguimento
destas, o próprio Tribunal - vêm reconhecendo). E, nesta linha, sustentam
mesmo, apertis verbis, alguns desses mesmos partidos respondentes (e outros o
deixam implicitamente perceber) que a prática das irregularidades em causa não
lhes pode ser imputada a título de dolo, sendo que, alegadamente, não houve da
sua parte qualquer intenção (vontade ou propósito) de deixar de cumprir a lei.
Esta - poderá dizer-se - a linha geral das
respostas apresentadas, mas que, evidentemente, cada partido não deixa de
particularizar, com referência às infracções que concretamente lhe vêm
imputadas (as quais, como pode extrair-se da súmula acima deixada, são de
diferente ordem e extensão).
Entretanto - e para além desta linha
generalizada de argumentação -, alguns pontos mais precisos e específicos não
deixam de ser evidenciados nas respostas de alguns partidos, e deverão, por
isso, ser também especificamente considerados, com excepção daqueles que se
traduzem em contestar a existência factual das irregularidades já dadas por
verificadas no Acórdão n.º 578/2000. Com efeito, apenas cabe agora apreciar o
que possa ter relevância em termos de excluir a punibilidade de tais
irregularidades ou de contribuir para a determinação do grau de culpa dos
infractores, uma vez que a existência objectiva das referidas irregularidades
já foi definitivamente decidida no mencionado aresto.
Com este enquadramento, assinalam-se os
seguintes pontos específicos das respostas:
Do PS, esclarecendo que, no tocante ao
inventário anual do património este se encontrava "devidamente
organizado", no que concerne à sede nacional, e que as federações só não
estavam devidamente organizadas relativamente "aos equipamentos de
escritório", o que já estaria sanado para o ano de 1999, devido à
implementação entretanto efectuada do sistema contabilístico; quanto ao único
donativo registado, o mesmo foi assim classificado porquanto se tratava de uma
transferência bancária a favor do PS, "com informação escassa acerca do
doador", e alegou ainda que "tem sido realizado um esforço por parte do
PS no sentido de serem solicitados aos doadores cópia do documento da
deliberação do seu órgão social"; ainda quanto aos pagamentos por cheque,
entende o PS que a respectiva obrigação apenas se verifica quanto àqueles cujo
montante ultrapasse quantia idêntica a 10 salários mínimos, mas que, mesmo a
aceitar o entendimento de que todos os pagamentos deveriam ser efectuados por
cheque, assegurando-se também o depósito de todos os montantes recebidos, alega
ainda que sempre tal prática se mostraria impossível de assegurar
completamente, tendo o PS, em todo o caso, procurado que a maioria de todos os
pagamentos e depósitos sejam efectuados dessa forma; por fim, relativamente ao
suporte documental das rubricas referidas, considerou que, sendo estas rubricas
receitas próprias "têm sido devidamente recebidas e contabilizadas através
de depósitos e transferências bancárias, no âmbito da lei em vigor", não
aceitando a acusação relativa ao mapa de proveitos e custos, por se encontrarem
"devidamente documentadas as receitas obtidas" pelo PS, com eventual
excepção apenas da identificação de alguns "beneficiários de algumas
despesas com deslocações e estadias em épocas de maior actividade
política"; e, relativamente à elaboração da lista do património imobiliário,
afirma ter junto documento contendo todas as especificações exigidas pela Lei
n.º 56/98, dispondo o Partido de todos os elementos necessários à completa
identificação dos imóveis de que é proprietário, apenas não tendo apresentado
tais elementos "por tal não ser exigido por lei";
Do PSD, segundo o qual o dever de proceder
ao inventário anual do património partidário respeitava apenas aos bens imóveis
e aos móveis sujeitos a registo; que o PSD "não tem por prática corrente
solicitar cópia da deliberação dos órgãos sociais das pessoas colectivas",
entendendo ainda que esse aspecto foi corrigido pela Lei n.º 56/98 "ao
estabelecer competência ao órgão de controlo das contas partidárias para aceder
à acta que consigna a deliberação [...]"; no que concerne à insuficiente
ou deficiente documentação de algumas rubricas, alegou que as mesmas não
incluíam donativos, não sendo por outro lado possível obter documentação
relativa aos fundos angariados de militantes em festas e organizações
partidárias, apesar de o respectivo montante global e organizações em que foram
angariados terem sido contabilisticamente identificados, esclarecendo ainda
que, no que diz respeito à quantia de 35 000 contos indicada, não se tratara de
um donativo, mas sim de uma redução de custos por via de uma "renegociação
de dívidas por fornecimentos que o Partido considerou terem sido feitos a
preços unitários muito superiores aos preços correntes de mercado"; e, no
tocante às reconciliações bancárias formais, entendeu que "o Partido procede,
na generalidade das suas estruturas, às reconciliações bancárias formais";
Do CDS-PP, segundo o qual não lhe pode ser
imputada a falta das cópias das deliberações das entidades colectivas de que
recebem donativos, já que sempre as pede às entidades doadoras, mas não as pode
obrigar a entregar-lhas; relativamente aos pagamentos por cheque, considerou
que a respectiva obrigatoriedade "é impossível de observar em termos tão
restritos, pois não tem em conta" o tipo de despesas, "nem os
modernos meios de pagamento", tendo, de resto, a Lei n.º 56/98 continuado
"sem consagrar a obrigatoriedade dos pagamentos serem titulados por
cheque"; e, por fim, afirmou ainda que os montantes resultantes do mailing
enviado aos militantes, bem como as inscrições dos militantes não são considerados
donativos, antes são enquadráveis na alínea a) do artigo 3.º da Lei n.º 72/93,
uma vez que são o resultado de peditórios feitos exclusivamente a militantes, o
mesmo se verificando em relação às quotas extraordinárias dos militantes;
Do PCP, que sustenta explicitamente, tal
como fizera nos anos anteriores, a tese de que não pode extrair-se da lei uma
obrigação de utilização do cheque como meio de pagamento e de recebimento de
fundos, excepto no tocante aos donativos superiores a 10 salários mínimos nacionais,
posição "que, aliás, o Tribunal Constitucional tem acolhido"; e, com
referência às reconciliações bancárias, reiterando a sua preocupação em
"efectuar a totalidade das reconciliações bancárias", lembra ainda
este Partido que "nas contas de 1998 foram efectuadas mais 3495
conciliações do que em 1997", estando o Partido "muito perto de
conseguir efectuar a totalidade" das reconciliações relativas às operações
financeiras na sua totalidade, sendo certo que "as contas apresentadas
reflectem já com rigor que a lei foi cumprida"; por fim, no tocante à
lista do património imobiliário do Partido, uma vez que só a partir de 13 de
Dezembro de 2000, data do acórdão respectivo, é que "ficou entendido
definitivamente qual o procedimento para que as listas do património
imobiliário satisfizessem a exigência de uma descrição suficiente de cada
imóvel, em termos de permitir a sua fácil identificação pelo público",
requereu o PCP que fosse aceite um aditamento às contas relativas a 1998
consistente na apresentação" de nova lista, já elaborada de acordo com
essas especificações, pelo que considerou assim sanada a falta em causa;
Da UDP, relativamente à estrutura
partidária, por não possuir militantes ou dirigentes a tempo inteiro, nem
possuir estruturas, além da estrutura central em Lisboa, e de "organização
com alguma estrutura" nos distritos de Setúbal, Porto, Santarém e Madeira
- dispondo de representação parlamentar apenas neste último -, funcionando em
todos os restantes distritos apenas em "sistema assembleísta",
concluindo assim pela "impossibilidade de haver no campo da organização
financeira uma estruturação que dê resposta a um apanhado total das despesas e
receitas"; e, no tocante ao inventário imobiliário do Partido, alegando
que o mesmo "não existe, em virtude de não existir nenhum nesta
data";
Do PXXI, face às contas apresentadas, que
reflectem "exactamente" a realidade do Partido, a qual é
"reduzida e tem tendência a, geograficamente, mais se reduzir", para
lá de eventuais "pequenas deficiências" verificadas, justificando a
pequena dimensão com a reorganização resultante da dissolução do MDP - donde
resultou o PXXI -, tendo, nomeadamente, sido encerradas ou abandonadas sedes
dos núcleos do Barreiro, Damaia, Grândola, Coimbra, Faro e Lumiar e Avenida de
5 de Outubro e Marvila, em Lisboa;
Do PCTP/MRPP, relativamente ao
insuficiente suporte documental, que entende não ser verdadeiro, não tendo sido
apontados factos concretos, antes se estando perante uma "designação
genérica" e injustamente penalizadora do Partido; e, quanto à questão de
as contas não mencionarem o saldo da campanha eleitoral relativa a um
referendo, porquanto estas contas têm "completa autonomia" e estando
sujeitas à fiscalização de uma outra entidade - a Comissão Nacional de Eleições
-, não tendo assim o Partido que registar esses custos incorridos com tais
referendos, "como seria tecnicamente errado fazê-lo"; e, por fim, no
tocante ao inventário anual do património do Partido, alegou o PCTP/MRPP que a
própria auditoria entendeu que o mesmo inventário fora efectuado, "não se
podendo conceber que ele tenha que vir reflectido nas contas", tanto mais
que não sofrera qualquer alteração no ano em apreço.
Face, então, à promoção do Ministério
Público, ora em apreço, e ao sentido ou teor das respostas a que acaba de
fazer-se referência, quid inde?
17 - Importa, antes de mais, distinguir -
nos factos ou situações referidos pelo Ministério Público - entre aqueles que
se traduzem na inobservância ou incumprimento de determinações específicas da
Lei n.º 72/93, relativas à organização das contas partidárias, e aqueles outros
que, por não corresponderem a qualquer dessas determinações, só podem
reconduzir-se à eventual violação do dever genérico que impende sobre os
partidos políticos de possuírem contabilidade organizada, de modo que seja
possível conhecer a sua situação financeira e verificar o cumprimento das
obrigações a que estão legalmente adstritos nessa área.
De facto, é este dever
"genérico" que, antes de mais, a Lei n.º 72/93 impõe aos partidos,
enunciando-o no n.º 1 do seu artigo 10.º; mas, para além dele, não deixa o
legislador de "especificar" algumas exigências que, nesse quadro, os
partidos devem observar: é o que faz, por exemplo, e nomeadamente, no n.º 2 e
no n.º 3 do mesmo artigo 10.º Assim, quando a Lei n.º 72/93, sucessivamente, no
seu artigo 14.º, pune com "coima" e qualifica, assim, como
"contra-ordenação" o incumprimento das "obrigações
impostas" aos partidos na matéria em causa, claro é que tal
contra-ordenação tanto pode resultar da infracção do dito dever
"genérico", como da de qualquer dos mencionados deveres
"específicos".
Só que, se neste segundo caso estamos
perante uma determinação precisa do "tipo" contra-ordenacional, de
tal maneira que ele só é preenchido exactamente pelo comportamento inverso da
conduta imposta, já no primeiro se depara com um "tipo" bastante mais
aberto, cujo preenchimento é susceptível de operar-se através de condutas
múltiplas e diversas, ou de também diversificadas conjugações dessas condutas:
ponto é que elas tenham a ver com o desrespeito de regras ou exigências
decorrentes da própria lógica e técnica da organização contabilística, de tal
modo que a sua verificação ponha em causa, em maior ou menor medida, a
"fiabilidade" da contabilidade partidária, ou seja, a possibilidade
(como se diz no artigo 10.º, n.º 1, da lei) de através dela se conhecer, por
forma rigorosa, a situação financeira do Partido e o cumprimento de certas suas
obrigações legais na matéria (v. g., as respeitantes à origem e limites das
suas receitas).
É neste enquadramento e tendo presente
esta distinção, pois, que haverá de examinar-se e avaliar-se a relevância
contra-ordenacional dos factos ou situações, ora em causa, imputadas pelo
Ministério Público aos diferentes partidos políticos atrás indicados.
18 - Ora, de tais factos ou situações, três há que indiscutivelmente respeitam
à omissão de deveres específicos estabelecidos pela Lei n.º 72/93, a saber:
A não obtenção, no tocante aos donativos
de pessoas colectivas, de cópia da correspondente deliberação dos órgãos
sociais do doador, obrigação que o Tribunal vem entendendo decorrer do
disposto, por sua vez, no n.º 2 do artigo 4.º da mesma lei (cf., e justamente
aplicando-se à concreta situação em apreço, o Acórdão n.º 682/98, n.º 11.º);
A não elaboração do inventário anual do património, exigida pelo n.º 3 do
artigo 10.º da lei;
A não elaboração, em termos
suficientemente satisfatórios, da lista do património imobiliário do Partido,
na medida em que não inclui uma descrição suficiente de cada imóvel, o que
constitui violação do disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º da Lei n.º
72/93 (na redacção dada pela Lei n.º 27/95, de 18 de Agosto).
Poderá e deverá então dar-se como verificada
a prática das correspondentes infracções, pelos partidos a que são imputadas?
Ou, face à defesa por estes aduzida, deverá chegar-se a uma conclusão
contrária?
No tocante às primeira e segunda
infracções, a resposta do Tribunal vai neste segundo sentido - embora não
porque ache pertinente, em termos de afastar a sua responsabilidade
contra-ordenacional em qualquer dos pontos em causa, tudo quanto os partidos
respondentes invocaram: grande parte do que alegaram só poderia, em boa
verdade, ser levada em conta como circunstância atenuadora de tal
responsabilidade.
Simplesmente, como já se sublinhou no Acórdão n.º 551/2000, ocorre uma
circunstância - e ela não deixou de ser invocada ou a ela não deixou de aludir
um dos partidos políticos ora em questão: o Partido Social-Democrata (PPD/PSD)
- que acaba efectivamente por impor a exclusão, pura e simples, da
responsabilidade contra-ordenacional, em consequência das apontadas situações:
é que, entretanto, com a publicação de uma nova lei sobre o financiamento
partidário (a Lei n.º 56/98, de 18 de Agosto), a correspondente exigência legal
desapareceu, pelo menos nos precisos termos em que a lei anterior a fazia ou
este Tribunal a entendia.
Na verdade:
Enquanto a alínea a) do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 72/93 se referia ao
"inventário anual do património do Partido", o preceito
correspondente (e que continua justamente a ser o do mesmo artigo, número e
alínea) da Lei n.º 55/98 reporta-se agora, mais restritamente, ao
"inventário anual do património do Partido, quanto a bens imóveis e móveis
sujeitos a registo", sendo unicamente esse inventário que passou a
constituir "requisito especial" do regime contabilístico partidário;
Por outro lado, se é certo que no n.º 2 do
artigo 4.º da Lei n.º 56/98 continuou a dispor-se (tal como exactamente já se
dispunha em idêntico número e artigo da Lei n.º 72/93) que a atribuição de
donativos aos partidos políticos, por pessoas colectivas, "é precedida de
deliberação, por escrito, do órgão social competente", também se acrescentou
então que tal deliberação seria "consignada em acta, à qual o órgão de
controlo das contas partidárias acede, sempre que necessário". Quer dizer:
estabeleceu-se um preciso meio de controlo da observância da exigência legal, o
que, e como o Tribunal afirmou no seu Acórdão n.º 551/2000, é impeditivo de
fazer decorrer necessariamente desta exigência, com esse mesmo objectivo
controlador (como, no entendimento do Tribunal, devia fazer-se, no quadro da
Lei n.º 72/93), o dever de os partidos políticos possuírem cópia da dita
deliberação (susceptível, nomeadamente, de ser examinada no decurso da
auditoria e julgamento das suas contas).
Esta disposição foi recentemente alterada
pela Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto, que passou a, no n.º 1 do seu artigo 5.º,
proibir a entrega de quaisquer donativos aos partidos políticos por banda das
pessoas colectivas, disposição esta que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2001,
não abrangendo pois as contas agora em análise, relativas ao ano de 1998.
Estamos, assim - no caso da inexistência
ou incompletude do inventário, relativo ao ano de 1998, de "todo" o
património de certos partidos políticos, bem como no da ausência, na
documentação contabilística também de alguns partidos, de documento
comprovativo da deliberação relativa à concessão aos mesmos, igualmente no ano
de 1998, de donativos de pessoas colectivas perante condutas (omissivas) que
deixaram de constituir uma infracção contra-ordenacional, no quadro de uma lei
posterior (já que, tal como no domínio da Lei n.º 72/93, também no domínio da
Lei n.º 56/98 - nos termos, em ambos os casos, do respectivo artigo 14.º - as
infracções contra-ordenacionais relativas à contabilidade dos partidos
políticos são modeladas a partir do enunciado, noutros preceitos legais, das exigências
e deveres que sobre os mesmos impendem, nessa matéria) Ora, sendo princípio
geral do direito das contra-ordenações o da aplicação retroactiva da norma
contra-ordenacional in mitius, consagrado expressamente no n.º 2 do artigo 3.º
do já várias vezes citado Decreto-Lei n.º 433/82 (Regime Geral das
Contra-Ordenações), por força da aplicação ao caso desse princípio haveria
realmente de ter-se por simplesmente afastada qualquer responsabilidade
contra-ordenacional que pudesse, eventualmente, ser imputada, com referência ao
ano de 1998, aos partidos incursos nas condutas mencionadas, a saber:
O PS, o PPD/PSD, o CDS-PP, a UDP, o PSR, o
PCTP/MRPP e o PPM no tocante à falta ou incompletude do inventário integral do
seu património ou à sua indevida reflexão nas contas partidárias;
E os três primeiros (o PS, o PPD/PSD e o
CDS-PP), no tocante à não obtenção, no que diz respeito aos donativos
concedidos por pessoas colectivas, de cópia da correspondente deliberação dos
órgãos sociais do doador.
É certo que - pese embora a alteração da alínea a) do n.º 3 do artigo 10.º da
Lei sobre o Financiamento dos Partidos Políticos - concebe-se mal como possa
estar cabalmente organizada (nos termos e para os efeitos do n.º 1 do mesmo
artigo) a contabilidade de um partido político de cujo património
"global" não existe inventário (e isto, tanto mais, quanto pode ser e
será vultuoso o valor de muitos bens móveis integrantes desse património, mas
não sujeitos a registo). Simplesmente, essa circunstância só poderá ser agora
valorizada, quando muito, em termos "indiciários", em combinação com
outras circunstâncias, num conjunto susceptível de denotar o incumprimento do
dever "genérico" (a que acima se aludiu: cf., supra, n.º 18) de
possuir "contabilidade organizada"; contudo, enquanto infracção
"específica" (ou infracção de um dever "específico") já não
pode ser considerada.
Por outro lado, é certo também - e a
observação vale agora para as duas situações que têm vindo a ser apreciadas -
que a Lei n.º 56/98 só pretendeu aplicar-se, conforme os precisos termos do seu
artigo 30.º, n.º 2, às contas partidárias do exercício de 1999 e seguintes
(salvo, nos termos do n.º 1, quanto ao prazo de apresentação das contas de
1998): dir-se-ia, por isso, face a uma tão precisa e expressa preocupação dessa
nova lei de não tocar em situações passadas, que a conclusão a que antes se
chegou ficaria, afinal, posta em crise. Mas - há, por último, que adverti-lo -
não é realmente assim: é que importa distinguir entre, por um lado, a dimensão
normativa da lei, enquanto definidora do modo como os partidos devem organizar
a respectiva contabilidade e, por outro lado, a sua dimensão
normativo-sancionatória, pois que, se quanto à primeira dessas dimensões não
pode deixar de valer por inteiro o disposto no mencionado artigo 30.º, n.º 2,
já quanto à segunda (e é esta que agora está em causa) desde logo, e pelo
contrário, se há-de dizer que a lei teve seguramente o propósito de
"eliminar" as infracções tal como previstas na lei anterior.
19 - Mas que dizer da terceira infracção
apontada, ou seja, da deficiente elaboração daquela lista do património
imobiliário do Partido, na medida em que não inclui uma descrição suficiente de
cada imóvel, imputada ao PCP - ainda que, relativamente a este Partido, o
Ministério Público faça notar que "embora tardiamente" esse Partido
"veio, através do requerimento a fls. 149 e segs. - dos autos -
diligenciar dar cumprimento às exigências legais" - e ao PS?
A esta infracção não se podem dirigir os argumentos acima expostos, pois a
respectiva previsão legal - expressamente introduzida pela Lei n.º 27/95 não
foi objecto de alteração ou revogação pela Lei n.º 56/98, e foi mantida nos
mesmos termos pela recente Lei n.º 23/2000.
De resto, os partidos em causa, como já se
afirmou no Acórdão n.º 453/99, não podiam ignorar que o cumprimento deste dever
específico pelos partidos políticos se destina a permitir a fácil identificação
pelo público do respectivo património imobiliário. O certo é que, quanto aos
prédios urbanos, essa identificação não pode deixar, em regra, de ser efectuada
através da indicação do nome da rua e do respectivo número de polícia, e,
quanto aos prédios rústicos, de ser efectuada de forma a que se possa conhecer
a respectiva localização e área, de modo minimamente perceptível (cf., Acórdão
n.º 551/2000).
Porém, o PCP, na sua resposta, pretendeu
que esta infracção se encontraria sanada, por via da apresentação do
requerimento a que se referiu o Ministério Público; ora, este requerimento foi
junto com a reclamação apresentada pelo PCP ao Acórdão n.º 578/2000 tendo sobre
ele recaído o já referido despacho do Presidente (supra, n.º 2), pelo que, e
como aí se decidiu, tal lista já não podia ser considerada na apreciação das
contas relativas a 1998. Não pode, pois, tal junção, por tardia, sanar ou
"corrigir" a falta verificada, até porque não permitiu o pretendido
conhecimento público adequado do património imobiliário do Partido, não tendo
assim o PCP qualquer razão nessa sua argumentação afinal, trata-se de situação
paralela a outras que o Tribunal já considerou não sanarem a irregularidade
cometida: a apresentação tardia das contas (cf., supra, n.º 8) ou a entrega da
lista do património com a resposta à promoção do Ministério Público (cf.,
Acórdão n.º 551/2000, n.º 24, relativamente ao PEV).
Por seu turno, o PS vem contestar que a
referida identificação fosse legalmente imposta, pelo que "desconhece e
não podia conhecer que esse douto Tribunal entendesse serem tais elementos
exigíveis", assim indiciando que pretenderá excluir qualquer actuação
dolosa quanto a este ponto. Para além do que já se referiu sobre o preciso
conteúdo da obrigação legal em causa, cuja razão de ser não podia o PS
desconhecer, cumpre assinalar que, em anos anteriores, este Partido cumprira a
mesma obrigação sem motivo para reparos, demonstrando apreender integralmente o
seu âmbito e alcance.
20 - Para além das situações que ficam examinadas, não se vê que qualquer
outra, das elencadas pelo Ministério Público, seja inquestionavelmente
recondutível à infracção de algum dos deveres "específicos" impostos
pela Lei n.º 72/93 aos partidos políticos, no tocante à organização da sua
contabilidade. É certo que, na promoção do Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, o
facto - imputado a vários partidos - da não adopção da prática do depósito
integral dos montantes recebidos e da não realização de todos os pagamentos
através de cheque é ainda tido como implicando a violação de uma exigência
decorrente do n.º 3 do artigo 4.º daquela lei, isto é, do preceito que obriga a
que os donativos de pessoas singulares excedendo o valor de 10 salários mínimos
mensais sejam titulados por cheque, preceito esse que, assim, conforma um
preciso e "específico" dever legal, em matéria do financiamento e
contabilidade partidários.
Só que - como obtemperaram três desses partidos, mais precisamente, o Partido
Socialista, o Partido Comunista Português e o Partido Popular - não é menos
certo que o mesmo preceito, consentindo que até esse valor os donativos de
pessoas singulares sejam anónimos, logo dispensa, nesse caso, o uso de cheque.
E é ainda verdade que, tirando esta referência expressa, mas limitada, no n.º 3
do artigo 4.º, nenhuma outra se encontra na lei quanto à utilização obrigatória
de cheque pelos partidos políticos (seja na angariação das suas receitas, seja
na realização das suas despesas).
É certo que, entretanto, a publicação da
Lei n.º 23/2000 veio consagrar, na nova redacção do n.º 1 do artigo 4.º, a
obrigatoriedade de os donativos de natureza pecuniária feitos por pessoas singulares
identificadas serem efectuados por cheque ou transferência bancária, desde que
o respectivo montante seja superior a um salário mínimo nacional; e, para além
disso, de todos os donativos de natureza pecuniária, independentemente do seu
montante, serem depositados em conta bancária exclusivamente destinada a tal
efeito, como determina o n.º 3 do mesmo artigo 4.º Mas tais disposições, que
visam assim indubitavelmente um maior controle e rigor nesta matéria, apenas se
aplicam a partir de Janeiro de 2001, não sendo, pois, aplicáveis ao exercício
em análise.
Por tudo isto - e muito embora este Tribunal, nos sucessivos acórdãos em que
tem apreciado as contas anuais dos partidos políticos, venha evidenciando o
facto como "irregularidade" contabilística - afigura-se que, pelo
menos para efeitos contra-ordenacionais, não é realmente possível reconduzir as
práticas ora em apreço (da não adopção sistemática do depósito das importâncias
recebidas, por um lado, e da não utilização sistemática do cheque como meio de
pagamento de despesas, por outro) à infracção de um dever
"específico" imposto aos partidos políticos, no tocante à organização
da sua contabilidade.
Pelo menos para esses efeitos (os efeitos
contra-ordenacionais), tais práticas, ou tal facto, só podem, pois, assumir
relevância - à semelhança do que acontece com os demais constantes da promoção
do Ministério Público - enquanto eventualmente reveladoras (só por si ou em
conjunto com esses outros) do incumprimento do dever "genérico" que,
na matéria em causa, decorre para os partidos políticos do artigo 10.º, n.º 1,
da Lei n.º 72/93.
21 - Posto isto, há então simplesmente que
passar, por último, à averiguação e determinação do relevo contra-ordenacional
desse conjunto de factos, à luz e no quadro desse "genérico" dever
legal.
Pois bem: de entre esse conjunto de
factos, seguramente é o da não apresentação de uma conta abrangendo toda a
actividade partidária (isto é, o universo de todas as estruturas organizativas
do Partido e as suas correspondentes actividades de financiamento e
funcionamento) o que se reveste de maior importância. Ele é o óbvio reflexo de
os partidos relativamente aos quais se verifica - a saber, o PS, o PPD/PSD, o
CDS-PP, a UDP e o PPM - não disporem de uma contabilidade "integrada",
e, por isso, não pode, também seguramente, deixar de denotar, só por si, o
incumprimento "objectivo", por parte desses partidos, do dever que
lhes impõe o artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 72/93: com efeito, sem essa
"integração" contabilística - como quer que a mesma se alcance ou
realize - não é possível dizer que a respectiva contabilidade permite
"conhecer a sua situação financeira e o cumprimento das obrigações" a
que, nos termos daquela lei, estão adstritos.
E esse incumprimento verifica-se
igualmente por parte daqueles partidos - PSN, PCTP/MRPP e PXXI - relativamente
aos quais se apurou que as respectivas contas se não encontram organizadas em
termos de se poder concluir que abrangem todo o universo partidário. Nestes
casos, a deficiência da organização contabilística é necessariamente maior,
muito embora a falta de "integração" contabilística possa revestir
menor dimensão.
A generalidade dos partidos políticos aos quais vêm imputadas estas omissões
explicam-nas ou justificam-nas, todavia, invocando as razões já atrás resumidas
(supra, n.º 16), e salientando (como também já aí referido) os esforços e
progressos que vêm fazendo nessa matéria. Ora - é o problema que agora se põe -
haverão tais circunstâncias de ter-se por bastantes para excluir a imputação "subjectiva"
da mesma omissão, a título de dolo, a tais partidos, deste modo retirando-lhe
qualquer relevância contra-ordenacional? A resposta não pode deixar de ser
negativa.
É que - como sublinha o Ministério
Público, da mesma forma que já o fizera relativamente ao ano anterior - no
exercício a que tal omissão agora se reporta (o exercício de 1998) o quadro das
obrigações que a Lei n.º 72/93 veio impor aos partidos políticos, em matéria de
organização contabilística, e das suas implicações, já se encontrava bem
desenhado e esclarecido, nomeadamente com a prolação, a noti ficação e a
publicação do Acórdão n.º 979/96. Assim, não podendo as mesmas entidades
ignorar que de tais obrigações decorria para elas, inter alia, a
indispensabilidade de possuírem uma contabilidade que abrangesse todo o
universo das suas estruturas e actividades e da qual decorresse com clareza a
efectivação dessa abrangência, é claro que a correspondente falta não pode
também deixar de ser-lhes censurável, e, nesse sentido, de lhes ser imputável a
um título que ultrapassa o da mera "negligência" (entretanto, sobre a
exclusiva imputabilidade a título de dolo das infracções contra-ordenacionais
previstas no artigo 14.º da Lei n.º 72/93, (cf., o já citado Acórdão n.º
537/97, n.º 21).
E se as circunstâncias invocadas pelos
partidos políticos ora em causa para justificarem a irregularidade
contabilística aqui em apreço até poderiam assumir alguma relevância (o que
este Tribunal não tem deixado de fazer em sucessivos arestos relativos aos anos
anteriores), a verdade é que tal irregularidade respeita agora a um período de
aplicação da Lei n.º 72/93 que já não se pode dizer "inicial",
inclusivamente porque se reporta a um exercício iniciado já mais de um ano após
a data da prolação do mencionado Acórdão n.º 979/96. Tal como o Tribunal
considerou quanto a outras irregularidades ou ilegalidades já apreciadas no
presente aresto (supra, n.º 13), esse circunstancialismo ou condicionalismo
poderá, contudo, ser levado em consideração na fixação da medida da coima a
aplicar aos partidos infractores, mas agora de modo menos intenso do que em
anos anteriores, dado o tempo já decorrido (aliás, sublinhe-se que, apesar de a
generalidade dos partidos políticos, nas suas respostas, ao longo dos anos,
virem e continuarem a invocar, perante este Tribunal, a necessidade de um
período transitório de adaptação às exigências consignadas na Lei n.º 72/93, a
Lei n.º 56/98, quer na sua versão original, quer na redacção da Lei n.º
23/2000, apesar de ter esclarecido outras questões controvertidas, como já se
assinalou, contudo não estabeleceu qualquer período transitório de adaptação).
22 - Mas, se a falta de
"integração" ou de "globalização" da conta se apresenta
como a irregularidade contabilística de maior significado, em termos de
incumprimento do dever a que os partidos políticos se acham adstritos por força
do disposto no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 72/93, que dizer, a esse
respeito, de outros factos ou situações irregulares, ou menos regulares, do
ponto de vista contabilístico, verificados quanto a certos partidos, no ano de
1998, e atrás elencados (supra, n.º 14)?
Afigura-se que, de novo, importa aqui distinguir - e distinguir consoante a
expressão e a extensão desses factos ou situações.
Assim, no tocante à falta de suficiente ou
adequado suporte ou informação documental, justificativa de receitas, despesas
e mapas contabilísticos, imputada na promoção do Ministério Público ao PS, ao
PPD/PSD, ao CDS-PP, à UDP, ao PSR e ao PCTP/MRPP, não poderá ela deixar também
de ser levada à conta de um incumprimento, contra-ordenacionalmente relevante,
do dever decorrente do dito n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 72/93. E isso, de
um lado, porque, dada precisamente a extensão e o carácter
"sistemático" dessa falta ou ausência de documentação, a mesma afecta
necessariamente, também de modo relevante, a "fiabilidade" das
correspondentes rubricas contabilísticas; e, de outro lado, porque uma tal
falta não pode deixar de acarretar e justificar um juízo de censura dos partidos
políticos que nela incorreram - já que, no tocante a este aspecto (da imputação
subjectiva da infracção) terá aqui inteiro cabimento quanto se disse, a esse
respeito, a propósito de falta de integração contabilística.
Sublinhe-se que, ao responder à promoção
do Ministério Público, e como já se referiu, o PPD/PSD veio esclarecer que as
correcções relativas a exercícios anteriores, no quantitativo de 35 000 contos,
se reportavam a redução de dívidas contraídas com fornecedores, situação em
tudo análoga a outra que o Tribunal sancionou (ao PS) no Acórdão n.º 551/2000,
por considerar que a "anulação de facturas cujo pagamento não foi exigido
pelos respectivos credores corresponde a um donativo no valor dessas mesmas
facturas por parte dos seus emitentes à face da ratio legis", o que revela
a gravidade da falta de adequado suporte documental, neste caso.
Um juízo semelhante caberá ainda, por sua
vez, no respeitante à falta, apontada ao PSN, consistente em não contabilizar
como proveito o montante de 100 000$ relativo ao perdão de alguns meses de
renda da sede em Lisboa, cujo pagamento não foi exigido pelo respectivo
senhorio, o que corresponde a um donativo no valor dessas mesmas rendas, à face
da ratio legis.
Também a não inclusão, na conta geral do
Partido, do saldo da campanha eleitoral para um dos referendos nacionais,
irregularidade praticada pelo PCTP/MRPP merece censura: na verdade, este saldo
teria de ser reflectido na conta geral de funcionamento do Partido, como este
bem deveria saber, pois que este Tribunal, desde o Acórdão n.º 979/96, vem
assinalando que, embora as contas das campanhas eleitorais se encontrem
submetidas a regime especial (tal como as das campanhas com referendos),
"não se vê como o saldo (positivo ou negativo) que [elas vierem] a revelar
possa deixar de ser levado à contabilidade geral do Partido".
Já, porém, no tocante à falta de
preparação regular de reconciliações bancárias formais em apenas algumas
estruturas partidárias, imputada também ao PSD e ao PCP, muito embora traduza
uma imperfeição ou irregularidade de organização contabilística, não parece que
se apresente com "consistência" ou relevo bastante para justificar
uma censura contra-ordenacional.
Finalmente, também não se vê - agora à luz
e no quadro do dever "genérico" de dispor de uma contabilidade
organizada, que não no de qualquer "específico" dever estabelecido
pela lei a esse respeito - que deva, em definitivo, atribuir-se relevo
contra-ordenacional à não adopção de prática do depósito integral dos montantes
recebidos e da não realização de todos os pagamentos através de cheque,
verificada quanto ao PS, ao CDS-PP, ao PCP (no tocante a algumas estruturas), à
UDP e à FER: é que, em boa verdade (e para além do que já foi afirmado supra,
n.º 20, quanto à obrigatoriedade do uso de cheque), o Tribunal não dispõe de
elementos que lhe permitam exactamente estabelecer a extensão desse facto no
conjunto global dos movimentos de receita e despesa de cada um desses partidos,
o que sempre seria necessário para verificar se ele afecta significativamente a
contabilidade partidária, em termos de a mesma cumprir o que dela se exige no
n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 72/93.
23 - De quanto precede, decorre que é de reconhecer a responsabilidade
contra-ordenacional, por irregularidades ou insuficiências verificadas na
organização e apresentação das suas contas, relativas a 1997, dos seguintes
partidos políticos: PS, PPD/PSD, CDS-PP, PSN, UDP, PCTP/MRPP, PPM, PXXI e PCP.
Com excepção do último, tal responsabilidade resulta, em todos os restantes casos,
da infracção do dever genérico, relativo à organização da sua contabilidade,
que impende sobre os partidos políticos, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, da
Lei n.º 72/93. Quanto ao PCP, tal responsabilidade resulta, por sua vez, da não
elaboração, em termos suficientemente satisfatórios, da lista do património
imobiliário do Partido, consistente na não descrição suficiente de cada imóvel,
o que constitui infracção do dever específico disposto na alínea b) do n.º 5 do
artigo 10.º da Lei n.º 72/93 (na redacção dada pela Lei n.º 27/95, de 18 de
Agosto), infracção esta que é também imputada ao PS.
Assim, resta apenas, concretizando essa
responsabilidade, fixar a medida concreta da coima a aplicar, em função dela, a
esses diferentes partidos tendo em conta, de um lado, a natureza e gravidade
dos factos que lhes são imputados, mas, de outro, as circunstâncias atenuadoras
da mesma responsabilidade que caiba reconhecer. Nestas últimas circunstâncias,
devem destacar-se as atrás referidas, relativamente à falta de integração
contabilística (supra, n.º 21); mas por outro lado, e além disso, há-de
incluir-se, de todo o modo, a própria pequena dimensão de alguns dos partidos
políticos em causa, já que da mesma decorrerá, compreensivelmente, uma menor
exigência quanto à complexidade e completude da sua organização.
Nestes termos, considera-se:
Que ao Partido Socialista (PS), uma vez
que a infracção do preceito legal referido resulta, não só da falta de
integração da sua contabilidade, mas ainda da insuficiência de suporte
documental de certas receitas, despesas ou rubricas contabilísticas, bem como
da não elaboração em termos satisfatórios, da lista do património imobiliário
do Partido, a coima a aplicar, pese o circunstancialismo atenuador referido,
mas, de todo o modo, levando-o em conta, deverá ser fixada no valor de 50
salários mínimos nacionais correspondentes ao ano de 1998 (já que a infracção
se consumou no final desse ano), valor que será de 2 945 000$;
Que ao Partido Social-Democrata (PPD/PSD), uma vez que também está em causa,
além da falta de integração da respectiva contabilidade, uma grave
insuficiência de suporte documental, a coima a aplicar, levando igualmente em
consideração o dito circunstancialismo atenuador, deverá ser fixada no valor de
45 salários mínimos nacionais correspondentes ao dito ano, valor que será de 2
650 500$;
Que ao Partido Popular (CDS-PP), uma vez
que está em causa, de novo, não só a falta de integração contabilística como
também uma insuficiência de suporte documental, só que de relevo menor que a já
assinalada quanto aos dois partidos agora considerados, mas continuando a levar
em conta o mesmo circunstancialismo atenuador, a coima a aplicar deverá ser
fixada no valor de 32 salários mínimos nacionais correspondentes ao ano de 1998,
valor que será de 1 884 800$;
Que ao Partido de Solidariedade Nacional
(PSN), uma vez que está em causa unicamente a impossibilidade de concluir pela
integração da respectiva contabilidade e considerando, do mesmo modo, a
reduzida dimensão desse Partido, justifica que, quanto a ele, a coima a aplicar
deverá ser fixada no valor de 18 salários mínimos nacionais correspondentes ao
dito ano de 1998, valor esse que é de 1 060 200$;
Que à União Democrática Popular (UDP), uma
vez que já estão de novo em causa, não só a falta de integração da respectiva
contabilidade, como ainda a falta de suporte documental adequado dessa
contabilidade, mas levando em conta, de todo o modo, a dimensão do mesmo
Partido, a coima a aplicar deverá ser fixada no valor de 23 salários mínimos
mensais nacionais correspondentes ao ano de 1998, valor esse que é de 1 354
700$;
Que ao PCP, uma vez que apenas está em
causa a não elaboração, em termos suficientemente satisfatórios, da lista do
património imobiliário do Partido, na medida em que não inclui uma descrição
suficiente de cada imóvel, a coima a aplicar deverá ser fixada no valor de 14
salários mínimos nacionais correspondentes ao ano de 1998, valor esse que será
de 824 600$;
Que ao PCTP/MRPP, uma vez que já não se
está apenas perante uma insuficiência de suporte documental, mas também perante
a não apresentação de contas organizadas em termos de se poder concluir que
traduzem uma conta global consolidada, e ainda a não inclusão, na conta geral
do Partido, do saldo da campanha para um dos referendos nacionais, mas levando
em conta, de todo o modo, a dimensão do mesmo Partido, a coima a aplicar deverá
ser fixada no valor de 25 salários mínimos mensais nacionais correspondentes ao
ano de 1998, valor esse que é de 1 472 500$;
Que ao PSR, uma vez que está apenas em
causa uma insuficiência de suporte documental e tendo em conta o
circunstancialismo atenuador, designadamente a pequena dimensão do Partido, a
coima a aplicar não deverá ultrapassar o mínimo legal (no valor de 10 salários
mínimos nacionais correspondentes ao ano de 1998), valor esse que é de 589
000$;
Que ao PPM e ao PXXI, tendo em conta que
apenas está em causa relativamente a estes partidos a não apresentação de uma
conta consolidada ou de uma conta organizada em termos de se poder concluir por
essa mesma consolidação, respectivamente, e atento o circunstancialismo
atenuador, nomeadamente a pequena dimensão desses partidos e o facto de terem
passado a apresentar uma contabilidade organizada, a coima a aplicar não só não
deverá ultrapassar o mínimo legal (no valor de 10 salários mínimos nacionais
correspondentes ao ano de 1998), como a conjugação destas duas circunstâncias
justifica que se faça uso da faculdade de atenuação especial prevista no artigo
72.º do Código Penal, aplicável ex vi do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82
e utilizável até ao limite previsto no n.º 3 do artigo 18.º do mesmo diploma,
assim devendo a coima a aplicar ser fixada no valor de 7 salários mínimos
nacionais correspondentes ao referido ano, valor esse que é de 412 300$, para
cada um dos partidos indicados.
III - Decisão. - 24 - Nos termos e pelos
fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
1.º Condenar a Frente Socialista Popular
(FSP), o Partido Nacional Renovador (PNR), o Movimento O Partido da Terra (MPT)
e o Partido da Democracia Cristã (PDC), pela prática da infracção, prevista no
artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro, decorrente da omissão
do cumprimento, quanto ao ano de 1998, da obrigação consignada no artigo 13.º,
n.º 1, da mesma lei, na coima, que se fixa para cada um deles, no valor de 30
salários mínimos nacionais correspondentes ao ano de 1999, ou seja, no montante
de 1 839 000$ (equivalente a Euro 9172,89);
2.º Condenar o Partido Democrático do Atlântico (PDA) pela prática da
infracção, prevista no mesmo artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 72/93, decorrente
da omissão do cumprimento, no ano de 1998, da obrigação consignada no artigo
10.º, n.º 1, dessa lei, na coima, que se fixa no valor de 25 salários mínimos nacionais
correspondentes ao mesmo ano, ou seja, no montante de 1 472 500$ (equivalente a
Euro 7344,80);
3.º Condenar os seguintes partidos
políticos, pela prática da infracção prevista ainda no artigo 14.º, n.º 1, da
Lei n.º 72/93, decorrente do defeituoso cumprimento, traduzido nos factos ou
omissões oportunamente descritos, e quanto ao ano de 1998, da obrigação
consignada no mesmo artigo 10.º, n.º 1, dessa lei:
O Partido Socialista (PS) este também pela
prática da infracção prevista no artigo 10.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º
72/93 (na redacção dada pela Lei n.º 27/95, de 18 de Agosto) em coima no valor
de 50 salários mínimos nacionais correspondentes ao mesmo ano de 1998, ou seja
no montante de 2 945 000$ (equivalente a Euro 14 689,60);
O Partido Social-Democrata (PPD/PSD) em
coima no valor de 45 salários mínimos nacionais correspondentes ao dito ano, ou
seja no montante de 2 650 000$ (equivalente a Euro 13 218,14);
o Partido Popular (CDS-PP) em coima no
valor de 32 salários mínimos nacionais correspondentes igualmente ao ano de
1998, ou seja no montante de 1 884 800$ (equivalente a Euro 9401,3);
O Partido de Solidariedade Nacional (PSN)
em coima no valor de 18 salários mínimos nacionais correspondentes ainda ao
mesmo ano, ou seja no montante de 1 060 200$ (equivalente a Euro 5288,26);
A União Democrática Popular (UDP) em coima
no valor de 23 salários mínimos nacionais correspondentes sempre ao ano de
1998, ou seja no montante de 1 354 700$ (equivalente a Euro 6757,22);
O Partido Comunista dos Trabalhadores
Portugueses (PCTP/MRPP) em coima no valor de 25 salários mínimos nacionais
correspondentes ao anos de 1998, ou seja, no montante de 1 472 500$
(equivalente a Euro 7344,80);
O Partido Socialista Revolucionário (PSR) em coima no valor de 10 salários
mínimos nacionais correspondentes ao mesmo ano, ou seja, no montante de 589
000$ (equivalente a Euro 2937,92);
O Partido Popular Monárquico (PPM) e o
Partido Política XXI (PXXI), considerada a atenuação especial e o disposto no
n.º 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 433/82, em coima, que se fixa para cada
um deles, no valor de 10 salários mínimos nacionais correspondentes ao mesmo
ano de 1998, ou seja, no montante de 412 300$ (equivalente a Euro 2056,54);
4.º Condenar o Partido Comunista Português
(PCP) pela prática da infracção prevista no artigo 10.º, n.º 5, alínea b), da
Lei n.º 72/93 (na redacção dada pela Lei n.º 27/95, de 18 de Agosto), em coima
no valor de 14 salários mínimos nacionais correspondentes ao ano de 1998, ou
seja, no montante de 824 600$ (equivalente a Euro 4113,09).
17 de Outubro de 2001
Alberto Manuel Portal Tavares da Costa -
José Manuel de Sepúlveda Bravo Serra - Luís Manuel César Nunes de Almeida -
Artur Joaquim de Faria Maurício - Paulo Cardoso Correia da Mota Pinto - José
Inácio Clímaco de Sousa e Brito - Maria Fernanda dos Santos M. Palma Ferreira -
Guilherme Frederico Dias Pereira da Fonseca - Maria Helena Barros de Brito -
Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza - José Manuel Moreira Cardoso da
Costa.